As notícias da irrepresentabilidade da “monstruosa” peça de Karl Kraus eram francamente exageradas. A histórica (não temamos a palavra) apresentação das três partes de Os Últimos Dias da Humanidade, no dia 19 de novembro de 2016, colocou um ponto final na carreira portuense de um espetáculo que convoca (e envolve) a presença humana para protestar contra a redução do humano. Nuno Carinhas e Nuno M Cardoso ousaram empreender esta viagem ao fim da noite num espaço cénico rarefeito, desenhado pela luz e por um gigantesco corpo de 21 atores, habitantes e construtores de um “laboratório do apocalipse” onde a cada momento se reafirma o triunfo das imagens que se dizem sobre as imagens que se mostram. Este comboio-fantasma – transportando um “cento de cenas e infernos”, verdadeira maratona de formas breves e longas – parte agora em direção a Lisboa, onde permanecerá por duas semanas no Teatro Nacional D. Maria II. Com esta partilha a sul, Os Últimos Dias da Humanidade, que o seu autor condenou à apresentação num “teatro do planeta Marte”, conquistam agora o privilégio de ser uma história de duas cidades.