Um palco redondo, motivos náuticos, um homem só e as palavras de Campos.
Um volante, que começa a girar pela força das palavras, que nos transporta de “um cais deserto” até à “dolorosa instabilidade e incompreensibilidade/ Deste impossível universo”, marcado por “Uma oca saciedade” ou por “uma ansiedade vaga”.
As palavras de Campos – vibrantes, intensas, agressivas, violentas – que se apoderam do homem no centro do palco, que gesticula, que se deixa enrolar pelas grossas cordas, que clama pelos “marinheiros invisíveis”, pelos “gajeiros, tripulantes, pilotos!/ Navegadores, mareantes, marujos, aventureiros!”, que se deixa submeter pelo “cio sombrio e sádico da estrídula vida marítima” e que embarca num rodopio frenético que nos transporta a todos até aos mistérios do mar, aos piratas e às suas canções, à “Nau Catrineta” e à nossa infância, às aventuras de Ulisses, aos grandes portos – Cardiff, Liverpool, Londres, Lisboa –, à poesia de Cesário Verde.
Um vapor que passa lento e não fica e que “Traça um semicírculo de não sei que emoção/ No silêncio comovido da minh’alma…” 1
Durante o período em que o Diogo Infante e a sua Ode Marítima estiveram no São João, levei até ao teatro cerca de 70 jovens, que viveram de forma intensa e fascinados o texto de Pessoa, que se deixaram embarcar numa aventura única e luminosa, a cheirar a mar, a óleo, a humanidade. Jovens que ficaram definitivamente cativados pelo teatro (muitos deles nunca tinham assistido a um espetáculo) e se tornaram espectadores fiéis e devotos desse outro fingimento poético.
1. Citações da Ode Marítima, de Álvaro de Campos, in Poesias de Álvaro de Campos, Edições Ática, Lisboa, 1978.
*Professora.
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3-13 Abril 2014
Teatro Nacional São João