Um frémito de alvoroço e medo

A minha experiência enquanto espectadora de teatro vai longa. Há cerca de 20 anos que frequento o Teatro São João, Teatro Carlos Alberto e Mosteiro de São Bento da Vitória e, como professora do ensino secundário, divulguei e acompanhei os meus alunos inúmeras vezes ao teatro, pois considero-o fundamental para ensinar, agitar e refrescar as mentes.
A partir de 1996, ano do “renascimento” do Teatro São João após obras de restauro no edifício, a cidade recuperou o seu belíssimo teatro e nesse espaço remodelado foram muitas as peças a que assisti e me marcaram. De entre elas, destaco: a inesquecível _Madame_, de Maria Velho da Costa, encenação de Ricardo Pais, com Eunice Muñoz e Eva Wilma, duas atrizes que tiveram uma atuação excecional; _O Grande Teatro do Mundo_, de Calderón de la Barca, encenação de Nuno Carinhas; _A Mãe_, de Brecht, encenação de Joaquim Benite, com Eunice Muñoz; _Arte_, de Yasmina Reza, com António Feio, Miguel Guilherme e José Pedro Gomes; _O Deus da Matança_, de Yasmina Reza, encenação de João Lourenço, com Paulo Pires e Sofia de Portugal; _As Lições_, a partir de _A Lição_, de Eugène Ionesco, encenação de Ricardo Pais; _Turismo Infinito_, de António M. Feijó, encenação de Ricardo Pais, com João Reis, Emília Silvestre e Pedro Almendra, entre outros; _Ah, os dias felizes_, de Samuel Beckett, encenação de Nuno Carinhas, com a incrível, imensa e sublime Emília Silvestre.
No Mosteiro de São Bento da Vitória, destaco _Boca de Cena: Teatro-Jantar_, criação do Teatro de Marionetas do Porto, com encenação do saudoso João Paulo Seara Cardoso, um espetáculo único, original, algo a que a cidade nunca tinha assistido.
Saliento ainda as encenações de algumas peças de Shakespeare por Ricardo Pais, como _Noite de Reis_ e _Hamlet_, protagonizadas por João Reis; _O Mercador de Veneza_, versão livre de Ricardo Pais e Daniel Jonas, com Albano Jerónimo, João Reis, Sara Carinhas, entre outros; bem como o _Rei Lear_ encenado por Rogério de Carvalho, com Jorge Pinto como protagonista, e _Macbeth_, encenado por Nuno Carinhas, com João Reis e Emília Silvestre.
No TNSJ, TeCA e MSBV vivi momentos memoráveis, de encantamento e beleza ímpar. Mas, nos últimos anos, foi _Coriolano_, de Shakespeare, com encenação de Nuno Cardoso, que provocou em mim sensações mais intensas, semelhantes às do cinema de Tarantino. Por isso, escolhi escrever sobre esta peça, a que assisti no Teatro São João, em fevereiro de 2014, com um frémito de alvoroço e medo.
Sim, é de Shakespeare e dura quase 270 minutos, já incluindo 15 de intervalo. Mas vale cada minuto para contar a história da coerência dum general romano, entre o campo de batalha e os jogos de poder no Capitólio.
13 atores desdobram-se em 40 personagens, ora com personalidade própria, ora enquanto parte de multidões enfurecidas, desconfiadas, manipuláveis. Albano Jerónimo, no papel do protagonista, Coriolano, tem uma interpretação saída das entranhas, intensíssima; Ana Bustorff, a sua mãe, é elegante e subtil, quer na força quer na fraqueza; e, num elenco que se apresenta todo em grande nível, destacam-se ainda a raiva de Daniel Pinto e a diplomacia de Pedro Frias.
O cenário depurado, réplica das escadas do Parlamento, é usado com mestria nesta encenação contemporânea; a agressividade do ambiente é reforçada pelas coreografias com reminiscências militares; o texto, apesar da densidade do vocabulário, confronta-nos com a representação do povo pelos eleitos e a fidelidade a princípios, tão atuais hoje como há 25 e há 4 séculos.
Foram três horas sem parar para bocejar!
*Professora.
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**6-16 Fevereiro 2014**
**Teatro Nacional São João**
## **_Coriolano_**
de **William Shakespeare**
encenação **Nuno Cardoso**
coprodução **Ao Cabo Teatro, Teatro do Bolhão, Teatro Nacional D. Maria II, Centro Cultural Vila Flor, Teatro Viriato, Teatro Nacional São João**
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in **_O Elogio do Espectador:_** **_100 espetáculos, 100 testemunhos, 100 fotografias_** **Cadernos do Centenário | 1**
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fotografia **João Tuna**
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