A Língua Gestual Portuguesa no centro do palco

JOANA COTTIM*

A ida ao teatro não é um dos hábitos do meu dia a dia. Prefiro ir ao cinema, visitar museus e até mesmo assistir a espetáculos de dança com música rítmica, cujos canais de receção/perceção são estritamente visuais e/ou sensoriais. No entanto, desafiada pela Laredo, Associação Cultural, abracei a oportunidade de ver um espetáculo que, no seu conteúdo, relata situações reais do nosso quotidiano, nomeadamente, a petulância das pessoas ao falar de bondade, justiça e sensatez quando, na verdade, elas próprias são o oposto do que dizem ser e agem como se o soubessem fazer. No entanto, a peça Bácoro conquistou o meu coração e despertou-me para o mundo do espectador de teatro. Toda ela teve em si, “magicamente”, uma configuração diferente da habitual: a Língua Gestual Portuguesa em palco.

Usualmente, quando se fala em Língua Gestual Portuguesa em teatro, associam a presença do intérprete no canto direito ou no canto esquerdo do “palco” e não se apercebem de que, se a peça é no centro do palco, a sua tradução também o deverá ser. Ao colocar-se o intérprete no canto, o espectador surdo tem duas opções: ou olha para o intérprete, ou olha para a cena em palco. E depois disso surge a questão: “Entendi esta fala mas… está associada a que ato? O que está a decorrer em palco?”

Naquele dia, ao ver os Palmilha a atuar e a incorporar a intérprete em palco, consegui compreender as falas, ver as cenas em palco, apreciar as expressões faciais e corporais, e tudo isso mudou a minha opinião sobre o que é ver teatro, sobre o que é sentir os artistas a dar muito de si aos outros (espectadores) e, sobretudo, perceber o que torna mais nua e bela a representação: o improviso. Desde esse dia, percebi que o teatro tem um conjunto de características que se complementam e não se dissociam entre si: tem falas, expressões corporais, expressões faciais, movimento, orientação, e que tudo isto funciona como um todo. Se colocarem a fala/gesto num canto, perde-se a unicidade e o espectador não usufrui do prazer de assistir a uma peça de teatro, como tem vindo a acontecer com os espectadores surdos.

Obrigada, Palmilha.

Obrigada, Teatro Nacional São João.

*Professora de Língua Gestual Portuguesa, mediadora.

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29 Setembro – 16 Outubro 2016 Teatro Carlos Alberto

Bácoro

de Ricardo Alves e Sandra Neves
encenação Ricardo Alves
coprodução Teatro da Palmilha Dentada, Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, Teatro Nacional São João _

in O Elogio do Espectador: 100 espetáculos, 100 testemunhos, 100 fotografias Cadernos do Centenário | 1

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fotografia Susana Neves