Quando vi A Perna Esquerda de Tchaikovski, tinha 13 anos e um medo terrível do futuro. Ao contrário dos meus colegas de escola, que já tinham a sua vida próxima relativamente planeada há algum tempo, eu não tinha a mais pequena ideia do que me aguardava. Tudo o que eu sabia era que queria dançar e, tendo isto em conta, não me sentia nada preparada.
Os meus pais levaram-me ao Teatro Nacional São João. Esta era (e continua a ser), invariavelmente, uma experiência maravilhosa. Fascinava-me, como agora, a atmosfera do espaço, completamente diferente de qualquer outra: entrar no teatro era um abraço, era como estar noutro país, noutro planeta. Logo que entrámos na sala eu soube que não ia ser um espetáculo qualquer. Nunca era um espetáculo qualquer, e ainda assim eu soube. A partir daí, as minhas memórias não são claras. Acho que só se consegue lembrar um espetáculo inteiro quando o vemos de fora. Eu vi este por dentro. Recordo-me de algumas frases; do som que a voz, o piano e as pontas faziam em conjunto; de movimentos e das suas explicações; recordo-me especialmente da honestidade e simplicidade de tudo aquilo. Já não sei que momento precedia qual, que cena se seguia à anterior. Vejo, na minha cabeça, as sensações da peça, como um quadro impressionista, e essas, essas sim, são cristalinas. Saí do teatro tão feliz. Olhava para os espectadores, que, como eu, regressavam à Terra pela porta principal, e só via sorrisos genuínos. Aí, acreditei em todas as possibilidades.
Mais tarde, nesse mês, fiz uma audição para uma escola secundária de dança. De facto, não estava preparada. Mas entrei. Agora que estou a acabar o curso, de novo aterrorizada com o que virá, sei que posso contar com as minhas recordações para me trazerem de volta a esperança que encontrei nas palavras francas de uma bailarina, na melodia de um piano e no caloroso acolhimento do TNSJ.
Soutenu - Passo de dança clássica; à letra, “suportado” ou “sustentado”.
*Estudante de dança.
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5+6 Maio 2017 Teatro Nacional São João