Foi com enorme satisfação que, naquele dia, soube que ia participar no espetáculo 40 Espontâneos, coreografado por La Ribot, no Teatro Carlos Aberto. Fui cativada para subir a um palco, à vista de todos, quando até à data estive, quase sempre, sentada a ver e a fruir dos espetáculos.
Se 40 Espontâneos assenta, numa primeira linha, na memória daquilo que fiz, há também algo especialmente belo para mim na memória do que senti. Esta experiência foi, de alguma forma, a clara aproximação de uma criadora internacional a 40 pessoas sem experiência na dança, que passaram a viver no espaço da imaginação, da improvisação e da representação. E eu fui uma delas! A oportunidade de estar no papel de uma artista-bailarina, percorrer os ensaios, receber orientações de uma coreógrafa profissional, fazer a caminhada própria de um espetáculo com rigor, ousadia e sensibilidade até ao dia da estreia tem um valor incalculável na forma como me coloco agora a ver um espetáculo de dança ou outro que seja.
Foram dias em que me foi permitido estar noutro lugar, noutra realidade, noutras inquietações, noutras dores que não são habituais. Foi muito empolgante sentir que a estreia se aproximava, os medos, os receios e as ansiedades cresciam e, de repente, estava a interpretar perante um público. Momento mágico! Senti-me num sítio onde a poesia pairou e paira. E isso foi um privilégio. E as palmas? Foi bom ouvi-las. Que boa e bela recompensa! O festejo final coletivo nos bastidores, revelador de uma cumplicidade muito profissional de 40 pessoas, e o abraço da nossa coreógrafa, repleto de carinho e satisfação, fizeram-nos sentir verdadeiras estrelas. Na diferença, na ausência de experiência, La Ribot fez-nos sentir excecionais na performance.
Desde essa altura, quando me sento no lugar do espectador, sinto muito mais a união de sonhos, de vontades, de esforços, de disciplina de tantos profissionais envolvidos no espetáculo. De facto, não consigo, não quero esquecer nada do que vivi. Conhecer os bastidores, físico e humano, ser uma intérprete, ter a orientação da coreógrafa La Ribot, fazer parte de um elenco de um Teatro Nacional foi vivido de forma intensa. E como ia ser espontâneo na minha vida de artista, tentei que tudo fosse absorvido para todo o sempre. Uma experiência a guardar e a recordar saudosamente.
*Professora.
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9+10 Julho 2004
Teatro Carlos Alberto