Regressado da travessia do Atlântico e ainda a recuperar da montagem, ensaio, promoção e estreia do Turismo Infinito em terras de Vera Cruz e da insaciável e perigosa exploração da cidade de São Paulo, aterro num ininterrupto Dancem! de exceção. E a fechar o festival, em ouro absoluto, Orphée et Eurydice de Marie Chouinard, com os seus faunos de uma beleza erótica nas formas e na pulsão sexual dos corpos esbeltos e dourados em movimentos animais, figuras mitológicas que habitam ainda a minha memória. Uma manifestação de liberdade e de perda, porque também desejo, que suplanta qualquer emancipação do espectador. Esta manifestação de irrealidade, imaginação e beleza ultrapassa Eros e Thanatos. Ultrapassa, na liberdade, a morte de Eurídice, a quem Orfeu tenta salvar; e no desejo, porque a perde olhando para trás, obedecendo ao destino traçado para o herói.
É esse gesto que se pode ainda pressentir nas sombras douradas de Lulu – figura da liberdade e por isso da morte também – e nas escadarias para a descida aos infernos, apresentada anos mais tarde no mesmo local, que tive o prazer e o privilégio de dirigir. Mais do que o mito ou a memória, a liberdade da criação e a entrega de quem a faz em prazer.
*Encenador.
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10-12 Julho 2009
Teatro Carlos Alberto