Oh là là, c’est magnifique!

MÁRIO MOUTINHO*

Lembro-me da forma empolgada como saí do espectáculo. Lembro-me do abraço que dei à Emília Silvestre, a primeira pessoa com quem partilhei a alegria de ter visto C’est Magnifique, de Jérôme Deschamps e Macha Makeïeff. E lembro-me da conversa sobre o espectáculo com o Jorge Mota: “Isto só pode ser feito em contexto de companhia, não de produção isolada ou de projecto pontual; esta cumplicidade resulta de muito tempo de trabalho conjunto.”

Estávamos no primeiro PoNTI, em 1997, no mesmo ano em que Robert Lepage apresentou Las Agujas y el Opio e Eimuntas Nekrosius a sua encenação de As Três Irmãs, de Anton Tchékhov, produções que constituíram os pontos mais altos de um festival que trouxe aos palcos da cidade do Porto um conjunto de propostas de artes cénicas seleccionadas com inegáveis critérios de qualidade. O PoNTI – Porto. Natal. Teatro. Internacional., promovido pelo Teatro Nacional São João, viria, nas suas quatro edições, possibilitar à cidade um olhar sobre o que de mais inovador se fazia na cena internacional.

Em C’est Magnifique, fiquei com a sensação de não saber se o que tinha visto era para rir ou chorar – talvez para rir e chorar –, entre aquele universo clownesco e o que de político-social por lá perpassava, entre o trabalho primoroso dos comediantes e o triste acordeão que nos transportava para o lado de lá da gargalhada, entre o musical circense e a opereta bufa, com o submundo urbano em fundo.

Eram apenas seis actores e uma actriz, mas neles havia um mundo em miniatura de homens e mulheres que se moviam numa cena onde o texto é quase inexistente, num cenário simples, quase feio, num guarda-roupa sem qualquer sinal distintivo e com adereços do quotidiano, muito usados.

Lembro-me – como não! – das interpretações. Uns chamaram-lhes pantomineiros modernos ou palhaços contemporâneos. Em C’est Magnifique, vi um leque muito alargado das artes de interpretação, pouco me importaram os rótulos. Retenho o colectivo homogéneo que criou aquelas personagens perdidas, anónimas e marginalizadas, capaz de nos contar com um humor irresistível a violência do quotidiano, numa comédia humana, engraçada e comovente. Ainda que me recorde particularmente da interpretação da Yolande Moreau, sozinha no centro da cena, movendo-se como uma marioneta e cantando como quem parece que não é capaz, num dos momentos mais belos do espectáculo.

Lembro-me de ter concordado com o que li algures sobre este espectáculo: tratar-se de uma comédia “tão comprometida quanto indispensável”.

Irresistível, emocionante e inesquecível esta criação de Jérôme Deschamps e Macha Makeïeff. Oh là là, c’est magnifique!

*Ator.

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4+5 Dezembro 1997
Teatro Nacional São João

C’est Magnifique

criação Jérôme Deschamps e Macha Makeïeff
coprodução Deschamps et Deschamps, DMT Théâtre de Nimes, La Coursive – Scène Nationale de la Rochelle, Hebbel-Theater Berlim
*Festival PoNTI

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in O Elogio do Espectador: 100 espetáculos, 100 testemunhos, 100 fotografias Cadernos do Centenário | 1

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fotografia João Tuna